quinta-feira, 28 de maio de 2020

Os subgêneros da música jamaicana: Roots e Dub



     Os anos 60 foram importantes para a história do Reggae, abrindo alas com a criação dos primeiros subgêneros do ritmo como o Rocksteady e o Early Reggae. Já nos anos 70 se deu a ascendência para o movimento com a criação do Roots e do Dub. A fusão do Early Reggae com os preceitos do Rastafári resultou no Roots que, entre tantas características, tem como principal preceito o enaltecimento de Jah.

  Em 1965 a banda The Wailers tinha como inspiração apenas o SKA e o Rocksteady
    O período marca a transição de ritmos em várias bandas criadas na década anterior, dentre elas a mais famosa; The Wailers, fundada em 1962 por Bob Marley, Peter Tosh e Bunny Wailer era originalmente só mais uma banda de SKA e Rocksteady até 1970, quando conflitos internos na banda segregaram o grupo que tinha Bob Marley como vocalista. A Partir daí, The Wailers passou a se chamar Bob Marley & The Wailers. O Vocalista e sua banda ganharam fama internacional por serem uma das bandas pioneiras da ilha a assimilar a religião Rastafari com um novo ritmo semelhante ao Early Reggae; o Roots.


    A característica que faz o Reggae Roots ter o “molho” da levada é o chimbal em tercinas (três notas em cada tempo), sendo tocados o primeiro e terceiro chimbal, na maioria das vezes. O Reggae Roots tem duas levadas de bateria que caracterizam o ritmo; O One Drop Beat e o Four Drop Beat, na qual o One Drop Beat significa que em cada compasso se toca um bumbo e que este irá bater sempre no terceiro tempo, fazendo com que a levada fique um pouco mais puxada para trás. O Four Drop Beat significa que em cada compasso tocaremos quatro bumbos, um para cada tempo, fazendo com que a levada fique mais andante. Um bom exemplo é a música “Is This Love”, de Bob Marley. Ao ouvir, perceba que o bumbo está sempre nos quatro tempos. Além disso, temos as letras de cunho religioso, a utilização de 2 a 3 metais nas introduções, as linhas de baixo mais lentas e desenhadas, a presença do órgão Hammond nas músicas, o uso do delay; um efeito que reproduz de forma atrasada ou repetida. Por exemplo: a voz, o teclado, ou a caixa da bateria. Geralmente a mesma base é feita simultaneamente entre guitarra e os teclados pra deixar a base mais “densa” e marcada. Esses são alguns dos elementos que caracterizam o Roots.




A banda jamaicana Black Uhuru surgiu em 1974, impulsionada pela popularidade mundial de Bob Marley & The Wailers, é uma das melhores bandas de Reggae Roots do planeta.


    Neste momento, era comum acompanhar shows de bandas como Black Uhuru e Gregory Isaacs, onde os artistas paravam os instrumentos no meio da música deixando apenas a linha de contra baixo acompanhada da bateria, é a chamada “Cozinha do Reggae”, baixo e bateria. Surge ai então o Dub Wise, um gênero de Reggae que foi o pioneiro nos primeiros dias pelos produtores de estúdio Lee Perry e King Tubby. O DUB conta com uma remistura que é o registro de uma música já gravada anteriormente, mas com nova sobreposição ou combinação de sons com ênfase particular colocada na linha de bateria e baixo. As técnicas utilizadas resultaram em uma sensação ainda mais visceral produzida pelos instrumentos. Os produtores começaram a reservar o "lado B" do vinil apenas para o DUB instrumental, os artistas começaram a ter duas versões de sua música prensada no mesmo vinil; a "original" localizada no "Lado A" do vinil com a voz do artista e o resto dos instrumentos presentes, e a "DUB version", localizada no "Lado B" do disco, que contava com a forte presença de baixo, bateria e sintetizadores numa versão apenas instrumental


    “King Tubby Meets Lee Perry Megawatt Dub” é um belo disco que consiste em faixas instrumentais de Dub feitas no final dos anos 70, misturadas e projetadas pelos ícones do reggae King Tubby e Lee Perry os pioneiros do Dub na Jamaica e no mundo. O álbum trás ritmos como SKA, Rocksteady, Early Reggae e Roots, todos em “Dub Version” facilitando assim, para os ouvintes o reconhecimento do subgênero abordado no texto. 











segunda-feira, 25 de maio de 2020

A Politica da Música: Conflitos Armados e Concertos da Paz



Bob Marley unindo as mãos dos opositores políticos Michael Manley e Seaga
  Uma história sobre paz tendo origem numa bala no cano de um revólver? Claro que sim. Se por um lado o estopim de uma guerra mundial foi uma bala no peito de um arquiduque, uma mesma tentativa de assassinato foi o princípio de uma trégua, guiada pelo espírito de um músico que triunfou sobre a Babilônia. A história pela música e a música pela história: essa dualidade se faz presente onde se tem pegada humana. Essa socialização advinda de outras eras sobrevive ao tempo no mesmo instante em que se faz e se refaz. E por mais estranho que pareça, a história se apresenta com múltiplos sentidos e um único tiro disparado pode ter inúmeros significados, indo muito além da comum violência do século XX.

     Esse disparo, (até hoje um mistério) direcionado a Bob Marley em 1976, foi  responsável por levar a luta política (antes concentrada nas ruas dos guetos de Kingston) ao campo musical, principalmente por conta dos concertos promovidos e do caos social que varria o país. "Bob Marley e os Wailers", os maiores expoentes da música jamaicana viviam o auge de suas carreiras, e, como figuras muito influentes na ilha se tornaram o alvo perfeito para que partidos jamaicanos como JLP e o PNP tentassem utilizar a imagem da banda para promover seus ideais políticos.
O PNP acusava Seaga de afinidades com a CIA através de pichações irônicas 


 Após a independência jamaicana, as decisões políticas do país das Antilhas passaram a  se concentrar nos primeiros-ministros. Na década de 70, o lider do PNP (Partido Nacional Popular) Michael Manley, eleito como primeiro-ministro tomou uma série de reformas socioeconômicas que visavam diminuir a distância do povo com o parlamento, buscando diminuir as desigualdades, e o consagrando como um lider dinâmico e popular. Tais medidas incomodaram a oposição conservadora, encabeçada pelo lider do JLP (Jamaica Labour Party) Edward Seaga, que pretendia criar uma instabilidade no governo de Manley, o associando ao comunismo, (já que Manley tinha o apreço de Fidel Castro) e criando subterfúgios para incriminá-lo das mais variadas formas. O alarmismo de Seaga sobre uma ilha que poderia se tornar "vermelha" como Cuba em plena Guerra Fria, se faz chamar atenção dos Estados Unidos, que prontamente se instalou no país através da CIA. Os guetos jamaicanos se tornaram palco de verdadeiras chacinas, com inúmeras facções armadas financiadas pelos EUA. Tal terrível época foi imortalizada na canção "War" de Marley, que denunciava os horrores da impetuosa violência urbana.


Michael Manley e Fidel Castro
 A ferocidade nos bairros de Kingston proporcionaram aos políticos atuações pretensiosas de total impunidade, estando protegidos por conta das relações de poder. O caos e o horror tomam conta da Jamaica e com a queda de turistas a economia da nação despencou. Os rastafáris, já bem estabelecidos à essa altura, enxergam a ilha como uma caixa de repercussão bíblica, já que o retorno do Messias Preto (Haile Selassie) desencadeará o "apocalipse", e enquanto babilônia afunda, o homem preto deve se unir e sair daqueles entraves para retornar a África, o seu verdadeiro lar. Diferentemente dos hippies que pregam o "peace and love", os rastas farão através da música a unificação do povo preto, tendo o repatriamento africano no horizonte. 

   Bob Marley como um homem adepto do Rastafári, utilizava nas suas canções, maneiras para buscar essa unificação em Jah, no amor e na compreensão dos homens. Tamanho era o seu alcance na Jamaica que a área em que morou era considerada um território neutro entre as facções. Enquanto se digladiavam em nome de homens brancos e ricos nos guetos, na região de Bob comungavam a irmandade rasta, fumando erva e consagrando a Jah. O atentado a vida de Marley, dois dias depois do concerto "Smile Jamaica" levanta questionamentos acerca de quem foi o mandante. O partido conservador acusa o PNP de tentar criar um mártir com a morte de Bob, e o lado mais progressista acusa Seaga em função do caráter subversivo do cantor que pareceu levantar bandeira ao PNP. O fato é que por razão de tais acontecimentos, os concertos foram tomados por ideais políticos, e Bob, por causa do atentado à sua vida preferiu se exilar em Londres. Depois de longos processos violentos, as milicias do JLP entraram em acordo com o PNP, promovendo uma trégua, justamente porque um dos líderes era amigo pessoal de Bob, (Claude Massop) e o mesmo tinha pedido para ele se apresentar no concerto "One Love Peace Concert" com objetivos de levar a paz na Jamaica. Este concerto, rodeado pela incerteza da presença de Bob ao palco contou com o compositor e mais outros 15 artistas, incluindo Beres Hammond, Jacob Miller e Inner Circle. Em sua apresentação, Bob celebrou a paz e louvou a Rastafari, e um acontecimento específico e extremamente simbólico aconteceu: após chamarem os dois opositores Manley e Seaga ao palco (o que não estava planejado) no solo da música "Jammin", um trovão cai sobre o palco enquanto Bob dançava:







    Após esse feito de caráter messiânico e minimamente xamânico, ele chama os representantes dos partidos e estabelece um dos momentos mais atemporais e icônicos de sua carreira, unindo as mãos dos dois em celebração a Jah, sendo ele a figura do meio. Alguns fazem analogia desse momento com Cristo crucificado com os dois ladrões ao seu lado. O reggae naquele dia, celebrou a paz sem segundas intenções.

    Portanto, a realidade se mostrou um pouco mais dura com a Jamaica posteriormente, e com a eleição de Seaga em 1980 a violência voltou na ilha. A morte duvidosa de Claude Massop e outros acontecimentos geraram a morte de mais de oitocentas pessoas. A mensagem conservadora de Seaga tomou força nos anos 80, onde se fez presente ferozmente a miséria social e a corrupção. No entanto a Babilônia nunca conseguiu erradicar as almas rebeldes presentes entre aqueles que foram escravizados. O reggae rasta sobrevive tradicionalmente através dos corações dos homens pretos, que denunciam através da musica o grito de dor daqueles que ainda sofrem no inferno tropical das Antilhas. 

    A música, a tradição oral, os ritos, os costumes, e as expressões culturais de uma determinada população podem mudar os rumos de uma nação justamente porque elas possuem uma mensagem, ela não é apenas mero fruto da indústria sonora. O enquadramento que a sociedade capitalista tende a criar no cenário musical não consegue dar conta do vigor que o Terceiro Mundo possui em sua fibra, e que resiste em entregar a sua identidade. Assim como Marvin Gaye, Michael Jackson, Nina Simone, James Brown, entre tantos outros artistas negros, Robert Nesta Marley marcou seu nome na história da música mundial por questões que vão além da própria música, englobando a mensagem rasta e preta, levando a cultura Jamaicana aos quatro cantos do mundo.

   Os álbuns selecionados para esse post serão o "Exodus" de 1977, e o "Survival" de 1979. A importância desses dois compactos é sumária dentro da perspectiva que tratamos no texto.  Exodus trata em denunciar a violência que ele e seu povo sofreu em seu país. foi concebido durante o seu exílio em Londres e foi considerado o melhor álbum de música do século XX pela revista TIME, e também entrou na lista dos 200 álbuns definitivos do "Rock and Roll Hall of Fame". Já "Survival" contem faixas que tratam justamente sobre a unificação do povo preto no continente africano e possui faixas como a  "Babylon System", "Africa Unite" e "Zimbabwe", sendo este ultimo um hino dedicado à recém independência do país. 



                     






quarta-feira, 20 de maio de 2020

SKA, Rocksteady e Early Reggae: A Década de Ouro da Jamaica



         Não há dúvidas que a década de 60 foi um divisor de águas para a história da Jamaica. Nestes anos se deram os períodos com acontecimentos que estão marcados politica e economicamente, mas sobretudo cultural, o que é determinante para a concretização das características jamaicanas, colaborando com o nascimento de alguns ritmos musicais.  Fatos como a independência da ilha e a visita da majestade imperial Haile Selassie I na mesma década fizeram com que estúdios e gravadoras decolassem musicalmente, gerando assim diversos ritmos em um período curto de tempo e que hoje são fundamentais para a gente entender toda a trajetória da música jamaicana.


    Em 1494, Cristóvão Colombo chegou à ilha e a fez colônia espanhola por quase 200 anos. O território contava com a ajuda britânica para impedir a invasão de piratas que  roubavam as riquezas locais. Em 1655, a área foi batizada como Jamaica e se tornou colônia britânica, num processo que durou cerca de 15 anos com a assinatura do Tratado de Madrid, em 1670. A Espanha reconheceria a soberania da Inglaterra sobre a Jamaica, tornando a ilha a colônia mais importante para a Inglaterra na plantação e exportação de cana de açúcar e cacau por pelo menos 300 anos, conquistando sua independência em 1962.


    O processo de independência jamaicano perpassa pela conjuntura da Guerra Fria. (1947-1991) O conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética na qual ambos se dedicavam em buscar influenciar ideologicamente aliados políticos de outros países caso uma guerra militar ocorresse. Com o enfraquecimento econômico das grandes potências devido os prejuízos causados nas grandes guerras mundiais, houve um descontrole em algumas colônias como na própria Jamaica que em 6 de agosto de 1962 se tornou independente graças ao partido trabalhista jamaicano (JLP) e o seu representante na presidência Alexander Bustamante que exigiu o fim da federação e a autonomia da ilha como nação.

   Quatro anos após a sua independência, o país recebe a visita da majestade Haile Selassie I que deixa o palácio imperial etíope em meio a conflitos e cruza o atlântico para conhecer a recém independente Jamaica. Selassie já era tido como o maior ícone do patriotismo negro na Jamaica, muito por conta das ações pan-africanas de Marcus Garvey, contando com uma recepção calorosa de pelo menos 100 mil pessoas que rugiam para o Leão de Judá e festejavam sua presença. Sua visita é comemorada todo ano no feriado de Grounation no dia 21 de abril realizando cerimônias Nayahbinghi e celebrando a visita do imperador a ilha.



O Imperador Haile Selassie I sendo recebido pelo povo Jamaicano com muita festa e oração em 1966. 


    A década de 60 foi tão importante para a política e cultura da Jamaica quanto para a música. Com os estúdios e gravadoras em ascensão devido ao movimento da cena Sound System, os talentos locais se multiplicavam nos bairros buscando seu espaço. Neste período se criou diversos estilos musicais que virariam sucesso na ilha e influenciariam diretamente a criação do Reggae: o SKA, o Rocksteady e o Early Reggae. Esses três ritmos são a coluna vertebral do Reggae, e todos os subgêneros conhecidos são variáveis de um desses três ritmos primordiais. Meses antes da independência, surge não por acaso, em 1961, o SKA, tendo os metais herdados do Jazz como elementos principais e influenciado por ritmos como Rumba, Mento, Son e Calypso. O mesmo ganha esse nome devido a uma variação de ritmo produzido pela guitarra “ska, ska, ska”. O ritmo precursor do Rocksteady buscava a diversão em harmonia para a classe operária da Jamaica. Alguns anos depois, a segunda geração desse ritmo chegou na Inglaterra no final da década, sendo apreciado por jovens de classe operária inglesa; os Skinheads.

      Com músicos eufóricos e sedentos por música, não demorou muito para se criar uma variação do SKA, e quatro anos após seu nascimento e ascensão surge o Rocksteady, nome esse, batizado por conta da canção de Aston Ellis, intitulado com a mesmo termo (Rock Steady). Com a visita do Imperador, o estilo Rastafari se infiltrou no inconsciente da população, na qual o agitado SKA não conseguiu achar mais o seu lugar. O Rocksteady surge nesse encontro de músicos Rastas com os músicos que produziam SKA. A necessidade de uma disposição diferente do bumbo e da caixa no tempo da música, a redução dos metais e a implantação de letras que carregam muito valor, dão as características próprias do ritmo que é nomeado Rocksteady.


        Há quem diga que a onda do Rocksteady na Jamaica durou apenas 18 meses dando então lugar ao Early Reggae, que no período foi batizado de Regay e rapidamente trocado por Reggae. Com a criação do subgênero Roots o termo Early Reggae foi criado posteriormente para diferenciar um subgênero do outro. O Early reggae é marcado como o período de maior migração de músicos jamaicanos pra Inglaterra levando este ritmo pra toda Europa e encontrando um público estrangeiro que consome esse som. Como na Jamaica as coisas acontecem muito rápido musicalmente falando, no mesmo período o Early Reggae já fica pra trás com a criação de um novo subgênero: O Roots. Por conta da explosão da música jamaicana na Inglaterra e em toda Europa, o musico jamaicano viu pela primeira o potencial para espalhar sua música por todo mundo. O Early Reggae considerado o 3º ritmo musical jamaicano, possui uma bateria bem mais trabalhada, riffs de guitarra únicos e a presença do órgão Hammond. Mensagens de oposição, espiritualidade e resistência são características capitais do ritmo.


A banda jamaicana The Skatalities

    Depois de uma década bem movimentada na música, política e economia, a Jamaica estende o tapete vermelho para a explosão do Reggae que viria em 1970, a música Reggae já era familiar para europeus e norte-americanos, todos se agradavam com esse novo subgênero que era o topo do iceberg da música jamaicana e se sentiam prontos pra acolher nomes como; The Wailers, Black Uhuru, Burning Spears, e Lee Perry que chegaram ao topo na década de 70, dando as novas e principais características ao ritmo.

       O Álbum de Derrick Morgan " Seven Letters’’ gravado no último ano da década de 60, transita entre os três ritmos mais influentes da década: SKA, Rocksteady e Early Reggae, e conta com uma sincronicidade refinada entre os ritmos mostrando toda sua influência. Morgan tocou com músicos influentes como Jimmy Cliff e Bob Marley, e ao contrario deles, Derrick se dedicou ao SKA e ao Rocksteady mesmo após 1970. Para aqueles que tem curiosidade de conhecer um pouco sobre a importância deste período atráves dos ouvidos, fica a recomendação desse álbum tão importante para a histórica jamaicana. 



sábado, 16 de maio de 2020

Os subgêneros da música jamaicana: Jazz e Blues

             A Ilha jamaicana é composta por uma pluralidade de culturas e costumes que foram trazidas do continente africano e suas tradições muito específicas sofreram influência da cultura colonial branca, permitindo lhes tirar a identidade na condição de negro escravizado. No entanto, esse apagamento gerou uma resistência das mais variadas formas desses negros nas Américas.Se tratando de música, em qualquer país de origem colonial nota-se que uma tradição preta sempre dialoga com a outra, ainda mais quando esses países são praticamente irmãos no quesito da ocupação inglesa. As populações negras dos EUA e Jamaica tem muito em comum nesse quesito. Os negros norte-americanos sofreram muito nas colônias do sul nas plantações de algodão, em que nada lhes era permitido além de cantar enquanto trabalhavam, o que estabeleceram subterfúgios para suportar a existência na condição de escravo, onde se coloca como fundamental os ritos para o fortalecimento das tradições africanas. No século XX, o surgimento do Blues e do Jazz está atrelado a isso, já que após a abolição da escravatura os negros começam a ter acesso aos instrumentos ocidentais como o trompete, o saxofone, a guitarra elétrica e o banjo.

           Esses gêneros tem como característica as letras de caráter religioso e de canções que denunciavam o sofrimento nas plantações e as linhas de baixo e instrumentação. O blues começou com apenas uma linha repetida quatro vezes, mas com o decorrer dos anos se estruturou o padrão AAB, que se faz a partir de uma linha cantada sobre as quatro primeiras, a repetição nas quatro próximase, em seguida uma linha de conclusão mais longa sobre as últimas linhas. O aparecimento desses gêneros se deu principalmente nos estados do Alabama, Mississipi e Geórgia, e o Jazz se destaca na cidade de Nova Orleans, Louisiana.

            A chegada desses ritmos na ilha jamaicana se deu nos anos 20 através da indústria do turismo, espaço esse que se fez cada vez mais importante para a economia do país. Músicos norte-americanos e jamaicanos tocavam frequentemente nos hotéis e teatros, estabelecimentos esses, que disputavam entre si para atrair mais clientes. A geografia da maior ilha das Antilhas propiciava um ar de diversão e de dança, destino certo para os turistas bem abastados ao passar o verão nesses hotéis.





            A ‘Alpha Boys’ School’’, uma instituição em Kingston administrada por freiras, formava inúmeros músicos talentosos que depois de formados, conseguiriam uma carreira e estabilidade financeira através das bandas militares ou dos clubes de Jazz. Nomes como Joe Harriot, Diizy Reece, Don Drummond, Tommy McCook, se destacam como alunos da escola Alpha Boys que potencializaram o Jazz dentro da Jamaica.


       A evolução musical que esses gêneros trouxeram aos jamaicanos se fazem presentes principalmente a partir da década de 50 aonde o apego ao rhythm and blues dá espaço ao SKA, ao Rocksteady, tendo de influencia norte-americana e inglesa o uso dos metais na formulação de suas músicas, mas sem perder a autenticidade que a cultura jamaicana possuía. Portanto é importante perceber que o contato com os colonizadores e suas expressões culturais potencializou a necessidade de reafirmar uma identidade genuína que se faz presentes em todas as populações negras das américas. Muito do Jazz e do Blues ainda tem o seu espaço musical estabelecido, com um propósito quase que exclusivamente de atrair excursionistas como o Festival “Jamaica, Jazz and Blues Festival” que acontece desde 1996.  
             
     O Álbum “Studio One Scorcher” da gravadora Soul Jazz Records é um compilado de faixas de alguns dos músicos e bandas mais importantes que foram influenciados de uma forma ou de outra pelo Jazz e Blues. A sequencia de musicas evidenciam bem o uso dos metais e da guitarra elétrica, gerando uma sonoridade única que só os jamaicanos possuem.    


quinta-feira, 7 de maio de 2020

Os Sounds Systems e os estúdios

        Não nos resta dúvida que nos anos 40, os ritmos mais tocados na Jamaica eram o Calypso e o Mento, influenciado pelo Jazz norte americano. Neste período, as bandas geralmente possuíam muitos integrantes que durante as apresentações realizavam diversas pausas na qual comiam e bebiam demasiadamente, sempre por conta da casa. Dessa forma ficava cada vez mais inviável para bares e casas noturnas a contratação de bandas para tocar ao vivo e assim entreter o público, pois sabemos que a Jamaica era um país que a maior parte da população tinha baixo poder aquisitivo. Nasce daí então a ideia da criação de um sistema de som amplificado controlado apenas por um “Deejay”, tendo como o principal objetivo enxugar gastos e render mais lucros a bares e casas noturnas.


          
       Com a ideia lançada, jovens ambiciosos começam a construir os seus próprios Sounds Systems, na qual para mantê-los, era preciso vender bebidas alcóolicas nas festas  ao publico que era adepto da cena. Os sistemas de som eram denominados “Hi-Fi”, os amplificadores e cornetas eram embutidos inicialmente em velhos móveis de madeira para garantir mais potência e longo alcance sonoro, onde posteriormente foram substituídos com a criação das Scoops e Radiolas. 


       A crescente importação de discos de vinil provenientes da Inglaterra e Estados Unidos faziam com que os  Deejays e seletores enriquecessem cada vez mais o seus sistemas de som amplificados e, consequentemente a cena Sound System local, estabelecendo assim uma concorrência interna baseada em ritmos específicos das seleções musicais na qual, eles se enfrentavam muitas vezes com músicas inéditas e exclusivas que outro sistema de som não possuía. Essa disputa era chamada de “Sound Clash” e começou a ganhar grandes proporções quando os “Rude-boys” (seguidores de determinado sistema de som) começam a invadir os bailes dos adversários e assim destruindo os vinis, as agulhas e as caixas, alegando quase sempre que estavam em defesa de seu território. 


      Os seletores da época criaram um habito que até hoje é mantido na cena Sound System mundial, que é, em sua maioria tirar os selos (rótulos) dos discos para que os concorrentes não descubram qual é o nome do artista que canta determinada faixa gravada no disco. Com o crescente acesso as prensas de vinil, os seletores gravavam seus próprios discos com suas faixas favoritas e versões de músicas já existentes, discos esses que geralmente eram produzidos em estúdios de bairro e propagavam assim os talentos locais.

       Com o decorrer dos anos, a disputa entre os seletores foi ficando cada vez maior e mais exigente. Chegando a 3 grandes nomes na segunda metade dos anos 50: Clemente Coxsone Dodd, fundador do Studio One, um estúdio que ganhou proporções gigantescas e chegou a gravar discos para grandes nomes como os Skatalites, Bunny Wailer e até Bob Marley. O estúdio One foi fundamental para o nascimento e desenvolvimento de ritmos como o Ska e o Rocksteady. Arthur "Duke" Reid tinha um Sound System invejável com nome de Trojan, este mesmo nome foi colocado no selo de sua gravadora, a Trojan Records que até hoje é considerada a maior gravadora de Ska do mundo. E por último e não menos importante Vincent "King" Edwards que era considerado o rei do Sound System, chegando a ter o maior e mais potente sistema de som amplificado da ilha em meados 1959.
       A rivalidade dos três gerou diversos conflitos entre seus seguidores, frequentadores das festas, havendo até relatos de mortes durante brigas nos bailes. Com a necessidade de mais seguidores, os três faziam incontáveis viagens até os Estados Unidos gerando uma considerável demanda para as fábricas de vinil norte-americanas. Foi aí então que os vinis de 7” começaram a não apenas serem importados para ilha, mas também a serem comercializados internamente pelas lojas, motivando assim a criação e crescimento da indústria musical jamaicana.

        Apesar do Álbum “Mento : Jamaican Calypsos Vol 1 & 2 [1950] Mixtape ser do gênero de Mento e Calypso, foi escolhido por nós como recomendação por conta de ser um dos primeiros ritmos a serem tocados nos Sound SystemsSão dois álbuns que foram gravados no primeiro estúdio da Jamaica que tinha como dono Stanley Motta. O mesmo gravava as bandas locais de Mento e Calypso e enviava os seus masters para a Grã-Bretanha para serem masterizados mixados e finalmente prensados em vinil, os vinis voltavam para a ilha para serem comercializados dentro do cenário Sound System. O álbum duplo foi prensado primeiramente em vinil e anos depois lançado em fita (mixtape).Levou cerca de 3 anos para toda sua produção ficar pronta e voltar da Europa, ele conta com um compilado de artistas renomados da década de 50. O álbum de Calypso e Mento é um compilado com músicas cadenciadas e conta com um toque dos metais do Jazz estadunidense.







segunda-feira, 4 de maio de 2020

Origens e o espirito da música jamaicana

            

        Quando tudo era colônia, os ingleses não tinham tempo para o que hoje é fundamental na vida de qualquer jamaicano, a música. Esse pequeno prazer nasceu do povo africano em meio a centena de anos de escravidão. Em navios negreiros, os escravos atravessaram a grande calunga e junto com eles trouxeram seus deuses, tambores e maracás, ritmos como o Jit, Swing em 6/8 e o Alujá vieram para a América, alguns deles originaram o candomblé e chegaram a países como Cuba, Haiti e Porto Rico.

            A música africana é tocada na sua maioria por tambores de ritmos complexos e contratempos que geram a polirritmia sonora. Quando se fala da Jamaica, o ritmo mais influente herdado do continente africano é o Nayahbinghi. Esse ritmo é originário do leste africano, nasceu no século XlX em Uganda, alguns anos antes da coroação de Haile Selassie l. Ele possui este nome devido a uma líder curandeira chamada Muhumusa que em uma noite disse estar possuída pelo espirito de Nyahbingi, uma rainha amazona que liderou e resistiu junto ao seu povo durante muitos anos as tentativas de colonização europeia. Portanto, o Nayahbinghi em sua essência significa uma ordem africana de derrubar a dominação branca e colonial dos europeus, o que nesse período as ações militares contra os colonizadores eram na sua maioria liderados por mulheres.

            Em 1935 em meio a tentativa da Itália de colonizar a Etiópia, o então imperador Haile Selassie l foi fotografado com uma roupa que remetia aos guerreiros de Uganda, os “Amhara”, a foto foi publicada em um jornal na Jamaica e percorreu os guetos de Kingston, o jornal dizia que o imperador era o mentor da ordem Nayahbinghi, consumando assim Haile Selassie l como o Messias que voltou para redimir o povo negro de anos de cárcere, combatendo de frente os colonialistas e promovendo o regresso dos negros pra África, assim como profetizou Marcus Garvey. O ritmo então começou a ser tocado pelos seguidores de Selassie na Jamaica, que foi então revisado e acrescentado o Chant; um tipo de cântico pra louvar a Jah. Os tambores graves proporcionam batidas cadenciadas que reproduzem o ritmo de um coração a pulsar e os tambores médio graves e agudos repicam no contratempo constantemente, preenchendo assim o ritmo. Daí em diante o Nayahbinghi passou a significar “Batida do coração” para os rastafaris devido ao seu ritmo, porém sem perder o significado de origem que é a fé na luta contra a Babilônia. O Nayahbinghi hoje é tocado principalmente em datas comemorativas do calendário etíope como o feriado de Grounation no dia 21 de abril que marcou a visita do imperador a Jamaica em 1966, quatro anos após a independência do pais, o dia 23 de Julho que se comemora o Aniversário de Haile Selassie I, e 2 de Novembro que marca Coroação da Majestade Imperial em 1930. As datas de 7 de janeiro, 25 de maio e 11 de Setembro também é tocado Nayahbinghi em comemoração ao ano novo etíope.

      Apesar do ritmo ser considerado o primordial para a criação de diversas vertentes dentro do reggae como por exemplo o Roots escolhemos um álbum atual para poder mostrar com um ritmo nascido no século XlX percorreu todo século XX e sobreviveu a era analógica e digital da música, se fazendo forte ainda hoje na cultura do povo rastafari que se originou na Jamaica e se espalhou pelo mundo. “Coração Nayahbinghi” foi gravado em 2019, por Lucas Kastrup, baterista e também compositor de uma das bandas de reggae brasileira mais influentes em todo mundo; O Ponto de Equilíbrio. O Álbum conta com grandes nomes do reggae nacional como Hélio Bentes (Ponto de Equilíbrio), Solano Jacob (Leões de Israel), Ras Kadhu (Jah I Ras), Dada Yute, Junior Dread, mas também do cenário internacional como os The Pioneers, Little Roy e The Congos. Além dos tambores como é de costume no Nayahbinghi o álbum conta com violinos, bandolim, alaúde, clarinete e outros instrumentos. Os arranjos, mixagem, masterização, assim como a execução dos instrumentos de corda e a produção musical vem assinada por Ras Fernando no estúdio Hataka, em São Paulo.