segunda-feira, 4 de maio de 2020

Origens e o espirito da música jamaicana

            

        Quando tudo era colônia, os ingleses não tinham tempo para o que hoje é fundamental na vida de qualquer jamaicano, a música. Esse pequeno prazer nasceu do povo africano em meio a centena de anos de escravidão. Em navios negreiros, os escravos atravessaram a grande calunga e junto com eles trouxeram seus deuses, tambores e maracás, ritmos como o Jit, Swing em 6/8 e o Alujá vieram para a América, alguns deles originaram o candomblé e chegaram a países como Cuba, Haiti e Porto Rico.

            A música africana é tocada na sua maioria por tambores de ritmos complexos e contratempos que geram a polirritmia sonora. Quando se fala da Jamaica, o ritmo mais influente herdado do continente africano é o Nayahbinghi. Esse ritmo é originário do leste africano, nasceu no século XlX em Uganda, alguns anos antes da coroação de Haile Selassie l. Ele possui este nome devido a uma líder curandeira chamada Muhumusa que em uma noite disse estar possuída pelo espirito de Nyahbingi, uma rainha amazona que liderou e resistiu junto ao seu povo durante muitos anos as tentativas de colonização europeia. Portanto, o Nayahbinghi em sua essência significa uma ordem africana de derrubar a dominação branca e colonial dos europeus, o que nesse período as ações militares contra os colonizadores eram na sua maioria liderados por mulheres.

            Em 1935 em meio a tentativa da Itália de colonizar a Etiópia, o então imperador Haile Selassie l foi fotografado com uma roupa que remetia aos guerreiros de Uganda, os “Amhara”, a foto foi publicada em um jornal na Jamaica e percorreu os guetos de Kingston, o jornal dizia que o imperador era o mentor da ordem Nayahbinghi, consumando assim Haile Selassie l como o Messias que voltou para redimir o povo negro de anos de cárcere, combatendo de frente os colonialistas e promovendo o regresso dos negros pra África, assim como profetizou Marcus Garvey. O ritmo então começou a ser tocado pelos seguidores de Selassie na Jamaica, que foi então revisado e acrescentado o Chant; um tipo de cântico pra louvar a Jah. Os tambores graves proporcionam batidas cadenciadas que reproduzem o ritmo de um coração a pulsar e os tambores médio graves e agudos repicam no contratempo constantemente, preenchendo assim o ritmo. Daí em diante o Nayahbinghi passou a significar “Batida do coração” para os rastafaris devido ao seu ritmo, porém sem perder o significado de origem que é a fé na luta contra a Babilônia. O Nayahbinghi hoje é tocado principalmente em datas comemorativas do calendário etíope como o feriado de Grounation no dia 21 de abril que marcou a visita do imperador a Jamaica em 1966, quatro anos após a independência do pais, o dia 23 de Julho que se comemora o Aniversário de Haile Selassie I, e 2 de Novembro que marca Coroação da Majestade Imperial em 1930. As datas de 7 de janeiro, 25 de maio e 11 de Setembro também é tocado Nayahbinghi em comemoração ao ano novo etíope.

      Apesar do ritmo ser considerado o primordial para a criação de diversas vertentes dentro do reggae como por exemplo o Roots escolhemos um álbum atual para poder mostrar com um ritmo nascido no século XlX percorreu todo século XX e sobreviveu a era analógica e digital da música, se fazendo forte ainda hoje na cultura do povo rastafari que se originou na Jamaica e se espalhou pelo mundo. “Coração Nayahbinghi” foi gravado em 2019, por Lucas Kastrup, baterista e também compositor de uma das bandas de reggae brasileira mais influentes em todo mundo; O Ponto de Equilíbrio. O Álbum conta com grandes nomes do reggae nacional como Hélio Bentes (Ponto de Equilíbrio), Solano Jacob (Leões de Israel), Ras Kadhu (Jah I Ras), Dada Yute, Junior Dread, mas também do cenário internacional como os The Pioneers, Little Roy e The Congos. Além dos tambores como é de costume no Nayahbinghi o álbum conta com violinos, bandolim, alaúde, clarinete e outros instrumentos. Os arranjos, mixagem, masterização, assim como a execução dos instrumentos de corda e a produção musical vem assinada por Ras Fernando no estúdio Hataka, em São Paulo.


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