Quando tudo era colônia, os ingleses não tinham tempo para o que hoje é fundamental na vida de qualquer jamaicano, a música. Esse pequeno prazer nasceu do povo africano em meio a centena de anos de escravidão. Em navios negreiros, os escravos atravessaram a grande calunga e junto com eles trouxeram seus deuses, tambores e maracás, ritmos como o Jit, Swing em 6/8 e o Alujá vieram para a América, alguns deles originaram o candomblé e chegaram a países como Cuba, Haiti e Porto Rico.
A música africana é tocada na sua maioria por tambores de ritmos complexos e
contratempos que geram a polirritmia sonora. Quando se fala da Jamaica, o ritmo
mais influente herdado do continente africano é o Nayahbinghi. Esse ritmo é
originário do leste africano, nasceu no século XlX em Uganda, alguns anos antes
da coroação de Haile Selassie l. Ele possui este nome devido a uma líder
curandeira chamada Muhumusa que em uma noite disse estar possuída pelo espirito
de Nyahbingi, uma rainha amazona que liderou e resistiu junto ao seu povo
durante muitos anos as tentativas de colonização europeia. Portanto, o
Nayahbinghi em sua essência significa uma ordem africana de derrubar a
dominação branca e colonial dos europeus, o que nesse período as ações
militares contra os colonizadores eram na sua maioria liderados por mulheres.
Em 1935 em meio a tentativa da Itália de colonizar a Etiópia, o então imperador
Haile Selassie l foi fotografado com uma roupa que remetia aos guerreiros de
Uganda, os “Amhara”, a foto foi publicada em um jornal na Jamaica e percorreu
os guetos de Kingston, o jornal dizia que o imperador era o mentor da ordem
Nayahbinghi, consumando assim Haile Selassie l como o Messias que voltou para
redimir o povo negro de anos de cárcere, combatendo de frente os colonialistas
e promovendo o regresso dos negros pra África, assim como profetizou Marcus
Garvey. O ritmo então começou a ser tocado pelos seguidores de Selassie na
Jamaica, que foi então revisado e acrescentado o Chant; um tipo de cântico pra
louvar a Jah. Os tambores graves proporcionam batidas cadenciadas que
reproduzem o ritmo de um coração a pulsar e os tambores médio graves e agudos
repicam no contratempo constantemente, preenchendo assim o ritmo. Daí em diante
o Nayahbinghi passou a significar “Batida do coração” para os rastafaris devido
ao seu ritmo, porém sem perder o significado de origem que é a fé na luta
contra a Babilônia. O Nayahbinghi hoje é tocado principalmente em datas
comemorativas do calendário etíope como o feriado de Grounation no dia 21 de
abril que marcou a visita do imperador a Jamaica em 1966, quatro anos após a
independência do pais, o dia 23 de Julho que se comemora o Aniversário de Haile
Selassie I, e 2 de Novembro que marca Coroação da Majestade Imperial em 1930.
As datas de 7 de janeiro, 25 de maio e 11 de Setembro também é tocado
Nayahbinghi em comemoração ao ano novo etíope.
Apesar do ritmo ser considerado o primordial
para a criação de diversas vertentes dentro do reggae como por exemplo o Roots
escolhemos um álbum atual para poder mostrar com um ritmo nascido no século XlX
percorreu todo século XX e sobreviveu a era analógica e digital da música, se
fazendo forte ainda hoje na cultura do povo rastafari que se originou na
Jamaica e se espalhou pelo mundo. “Coração Nayahbinghi” foi gravado em 2019,
por Lucas Kastrup, baterista e também compositor de uma das bandas de reggae
brasileira mais influentes em todo mundo; O Ponto de Equilíbrio. O Álbum conta
com grandes nomes do reggae nacional como Hélio Bentes (Ponto de Equilíbrio),
Solano Jacob (Leões de Israel), Ras Kadhu (Jah I Ras), Dada Yute, Junior Dread,
mas também do cenário internacional como os The Pioneers, Little Roy e The
Congos. Além dos tambores como é de costume no Nayahbinghi o álbum conta com
violinos, bandolim, alaúde, clarinete e outros instrumentos. Os arranjos,
mixagem, masterização, assim como a execução dos instrumentos de corda e a
produção musical vem assinada por Ras Fernando no estúdio Hataka, em São Paulo.
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